sábado, 23 de abril de 2011

MINICONTO 202 - ANIMAIS PRÉ-HISTÓRICOS NA PRAIA

Martha não aguentava mais sua vida turbulenta na metrópole. No trabalho, todos se bedelhavam em sua vida, num desdém à vista. Entrou no carro e saiu pela orla marítima em busca de uma praia o mais deserto possível. Encontrou-a finalmente. Meia dúzias de casas e uma pousada repintada sobre uma antiga colônia de pescadores. Logo de manhã, no dia seguinte foi à praia. Enorme pedreira atraiu-a, encravada no mar. Escalou-a, passeou por várias lajes, declives, subidas e sentou-se. Observou que várias pedras enormes pareciam animais pré-históricos. Inclusive a pedra em que estava sentada, dava a impressão que respirava! Resolveu voltar para a pousada, pois julgou-se muito cansada, ao ponto de ter tais impressões.
No outro dia voltou à pedreira. Todas as pedras que pareciam animais pré-históricos estavam fora do lugar, como se estivessem movimentado à noite. Pedras-elefantes-rinocerontes-tartarugas gigantes-sapos-baleias-dinossauros, etc. enormes em lugares diferentes. O sapo gigante em que estava sentada, respirava lentamente, enquanto o oceano chocava-se violentamente contra eles.
Em apenas cinco dias ela descansou o suficiente para sentir-se em paz e aprender com a natureza o jogo do disfarce. Era o que precisava para enfrentar o mundo e as ondas de vai e vem de seus habitantes.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

MINICONTO 201 - O outro pedaço da história

Contaram-me assim: a família saiu para um passeio no campo. O pai, a mãe, a tia, o tio,um colega, a filha com o namorado. Contaram isto para vocês também. Num segundo sumiu a filha com o namorado, no meio do mato. A mãe desesperada: "Meu Deus, onde se meteu minha filha com o Ricardo?" O tio: "Não se preocupe Maria. O Ricardo não é Ricardão. Ele é vegetariano, portanto não come carne!"
O que ninguém conta e aliás ninguém dá atenção aos artistas de fundo de cena, que muitas vezes são mais atores que os canastrões de primeira linha, foi o que disse João, colega dos namorados, encostado numa castanheira: "Ricardão, já é ultrapassado. Lá na Escola, seu apelido é Beija-Flor!"

quinta-feira, 21 de abril de 2011

MINICONTO 200 - O PREÇO DA CORDA - Malchuth

O mendigo passava todos os dias por alí. Sujo cheirando um ano sem banho, recebia seus trocados, em moedas de pouco valor, que lhe cobriam um pão seco e vezes ou não um cigarro fatiado.
Pierre era de bom coração. Quando viu aquela mão ressequida surgindo detrás dos trapos, estendida e trêmula, colocou nela um dinheiro que alguém jamais lhe havia dado. O mendigo agradeceu, sorriu, pulou de contente. No outro dia apareceu pendurado na praça por uma corda de nylon, de uma árvore bem alta, uma corda bem cara, do valor contido no gesto de caridade.

MINICONTO 199 - A COLHEITA NEFASTA - Yesod

Pedro era dono de uma maravilhosa chácara. Justamente no centro dela, ele plantou uma semente. Ele proibiu que comessem de seu fruto. Ele não queria ninguém no centro daquela confusão. Martha foi o pivô de todo o seu problema. A casa diametralmente construída dentro do terreno, virou bangú nas mãos de gigolôs. Os que comeram daquele fruto, pereceram de corpo e alma.

MINICONTO 198 - NA MORTE A HERANÇA DAS FLORES - Netzchad

À beira tumular depositam flores. Eles que outrora foram sua base sólida, seu ponto de apoio. Perdendo seu terreno de estabilidade, Marcos desapareceu aos poucos, à medida que gradativamente eles se afastaram dele.
Assim será também o destino daquelas flores.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

MINICONTO 197 - O HOMEM QUE RIA DE SUA COLUNA - HOD

Bento seguia sorrindo pela rua com seu cajado. Ele tinha problemas de coluna. Não havia cura em lugar nenhum. Nem nos EUA, EUROPA, etc. Se ele jogava no coluna 1 dava coluna do meio. Se jogava na coluna do meio dava coluna 2, se jogava na coluna 2, dava coluna l. Mas e os bicos de papagaio que o obrigavam a andar com aquele cajado? Esquece, mano! Lugar de papagaio não é na coluna, é no puleiro!

domingo, 17 de abril de 2011

MINICONTO 196 - Nunca Mais - Thifareth

Sônia esperou-o até a meia noite. Ele não chegou. Passaram-se cinco anos. Hoje, Sônia debruça sobre a janela e pensa: ele só queria atravessar para o outro lado da rua e não para o outro lado da vida!

sábado, 9 de abril de 2011

MINICONTO 195 - José Luiz Teixeira do Amaral - Minha Vida - Geburah

Sei que morava em frente à praça, num vértice de um triângulo equilátero, entre a Igreja e a praça. Ali estava nosso saudoso lar. Dentro daqueles l80º equiláteros, tentei a todo custo viver meus 360º circulares de minha juventude rebelde. "Zé Luiz, você vai pra praça assim, todo despenteado, com a camisa desbotoada? Quando você ficar rapazinho, duvido se agirá assim!" A voz de mamãe ecoa, como se fosse agora. Rapazinho, homem, maturidade. Danielle/Valcimar e Rodrigo; Thiago/Ana e Matheus. "Zé Luiz você vai pra praça assim?....." Como tudo passou tão depressa. Andei por todos os caminhos e escrevi odisséias, ilíadas, divinas comédias, lusíadas pela vida afora.
"Zé Luiz, você vai pra praça assim?..." Não só para a praça, para a vida, despenteando e desabotoando a camisa e não mais que um chinês, onde toda a minha estrada reduziu-se a um fio de alfinete e toda a minha história escrita na cabeça deste alfinete. Tudo passou rapidamente no círculo circunscrito além da praça, da igreja e de minha casa com mamãe perguntando a dúvida mais sagrada de minha vida, até agora no meu coração e na minha alma. Este eterno presente em que escrevo este conto, sopra folhas secas ao vento e abre as cortinas da permanência, da imanência. Passado e futuro são os únicos ingredientes em que posso parar e pensar neles profundamente. Preciso de voltar aos meus catorze anos e dizer para mamãe que a praça sou eu mesmo. Mesmo sofrendo de Alzheimer, mamãe tem na sua memória o brilho dos meus olhos. Através deles haverá de compreender que andei pelo diâmetro de um círculo com tanta liberdade que ele se transformou na sua circunferência. Entenderá meus múltiplos eus: um profeta, um poeta, um guerreiro, um rabino, um anarquista no bom sentido, e que só posso me encontrar com eles em mim mesmo, no meu inconsciente, onde reina uma aurora primaveril, entre canteiros e flores, entre arvoredos cheios de lacerdinhas(insetos que nos incomodavam, pois quando caiam sobre nós, provocava uma terrivel coceira), entre bancos com outros eus sentados, contemplando a vida láctea com bilhões de estrelas. GEBURAH !

domingo, 3 de abril de 2011

MINICONTO 194 - Guedulah

Nívea apanha o retrato três por quatro do seu ex-marido. Com a tesoura recorta o retrato e fica apenas com o branco do papel. Com um fósforo aceso, queima o retrato. Abre o frasco e deixa cair as últimas cinzas que restaram. Era o desejo dele. Depois de uma longa e trágica doença, deixou todas as coisas acertadas, inclusive o crematório.